A VIAGEM
- Nasceu o Henrique, filho do Romeu, precisamos ir conhecê-lo – falou a esposa.
- Ok, vamos nos programar para ir nas férias – respondi.
Joe´s Crab Bucket
Seria minha primeira vez nos EUA. A expectativa pela viagem misturava-se com uma sensação desagradável:
- O problema é ir pros EUA e ser destratado pelos norte-americanos... – pensava eu, conformando-me com a prometida visita a loja da Bass Pro e com as compras que faria.
Anos ouvindo a pregação anti-americana mostravam seu fruto. Seja pelas aulas de EMC e OSPB (os jurássicos haverão de lembrar disso) ou da pregação ideológica dos tempos de universidade (a UNE e seu comunismo-utópico de Marx e Engels), o ufanismo nacionalista era sempre exaltado com críticas ao "imperialismo norte-americano" e a "arrogância dos americanos".
Após o retorno, penitenciei-me mais uma vez pelos pré-julgamentos e pré-conceitos que faço e possuo. JÁ havia cometido o mesmo pecado quando fui à Argentina ("detestam os brasileiros e são arrogantes "), Amazonas ("só tem mato, índio e mosquito"), Porto Rico ("favela dos EUA"), França ("povo mal educado e que não toma banho") e Inglaterra ("pior comida da Europa"). Estereótipos são perigosos e constituem a raiz do preconceito e das idéias mal formadas.
Passarei a me policiar mais para não ser tão ignorante, propalando idéias antes de conhecer os fatos. Ao longo do relato vocês entenderão melhor os motivos que me levam a escrever isso.
Joe´s Crab Ultimate Strawberry Margherita
Certo dia o cunhado me chama no skype e fala:
- Cunha, tem um lago que passa atrás do condomínio, que dá pra pescar. Já que você vem pra cá, porque não tenta fazer uma pescaria legal? Dá uma pesquisada....
Pescar no EUA? Não havia pensado nisso! Subitamente me veio à mente os vários programas de pesca que havia assistido e que se passavam no Texas. Iniciei minhas pesquisas e descobri que Dallas é cercada de lagos e represas, todos com excelente potencial de pesca de vários tipos de peixes esportivos: stripped bass, white bass, hybrid bass, crappie, gar e... largemouth, o big-bass, o bass-boca-grande!
O sobrinho Henrique e seu "irmão" mais velho e peludo, Wally
Mais pesquisas e encontrei vários guias especializados na região. E todos repetiam sempre o mesmo nome, como reduto dos grandes peixes: Lake Fork!! A menos de 200 quilômetros de Dallas, local de captura de 36 dos 50 maiores basses do Texas, detentor do recorde estadual, com um bocudo de mais de 18 libras e com mais de 2.000 basses acima de 10 libras capturados desde a sua criação, na década de 80, é considerado pelos profissionais e guias um dos melhores locais dos EUA para a captura de grandes black basses.
O destino estava definido. Falei novamente com o cunhado e ele me avisou que eu poderia ficar com o carro por alguns dias, enquanto ele viajava para o MBA em Boston. Havia conseguido o meio de chegar. Faltava definir o guia. Escrevi para os 3 guias que eram mais referenciados em fóruns e artigos. Todos foram muitos corteses e responderam rapidamente meus emails, mas um me chamou especial atenção pela simpatia, conhecimento e experiência que demonstrava: Gene Snider.
Gene e um dos largemouth do Lake Fork
Gene é guia de pesca desde o início da década de 80, guiando principalmente no Lake Fork (black bass, white bass, yellow bass e crappie) e Lake Tawakoni (stripped bass, hybrid bass e white bass). Participou de várias campeonatos estaduais, de algumas etapas de grandes torneios nacionais e de vários qualifyings de super-torneios.
http://www.gene-snider.com/rates.htm
Trocamos ainda várias mensagens e ele, sempre muito atencioso, respondia a todas com presteza e detalhamento. Para quem se interessar, ele cobra US$ 375,00 por dia de pescaria para até 2 pescadores, incluindo um barco novo tipo bassboat de 21 pés com motor 225hp e todo o equipamento e orientação que precisar. É exigido um depósito prévio de 150 dólares por dia agendado, que pode ser pago via paypal.
Agendei dois dias completos de pescaria. A ansiedade já começava a tomar conta de mim.
DALLAS
Nos primeiros dias em Dallas aproveitei para passear com a esposa pela cidade. Nos fartamos nos restaurantes de frutos do mar (Papadeux, Joe´s Crab e Red Lobster), devorando muitos alaskan king crab, snow crab e crawfishes.
Pescador do Lake Fork e seu "parceiro"
Maravilhei-me com o Dallas Aquarium e seus diversos ambientes marinhos, fluviais e lacustres que reproduziam em detalhes, desde a grande barreira de corais da Austrália com seus peixes coloridos, até a reprodução do rio Amazonas, com dois peixes-boi adultos, pirarucus gigantescos, além de tambaquis, cuiú-cuiús, piraras e piranhas.
Liguei para o Gene para avisar que já estava em Dallas e acertar os últimos detalhes. Informei que iria no dia anterior para o hotel (www.lakeforkmarina.com) e chegaria por volta das 16 horas.
- Ei, se você vai chegar nesse horário, por que não fazemos uma pescaria noturna? Eu te pego no hotel às 16:30 e pescamos até às 22.... – ele havia tocado no meu ponto fraco. Sempre me interessei em realizar uma pescaria noturna com iscas artificiais, mas em todas as minhas tentativas anteriores, os resultados foram pífios. Quando eu indaguei se seria tão produtivo quanto à pescaria diurna, ele respondeu no ato que costuma ser mais produtivo que a pesca diurna. A isca havia sido lançada e eu estava fisgado.
- Vamos lá, então!!
A VIAGEM
Saí de Dallas logo após o almoço. O GPS teimou em me levar pelas estradas secundárias do interior ao invés de pegarmos as grandes highways. Mesmo assim, a viagem foi rápida e tranqüila. Os motoristas obedecem rigorosamente os limites de velocidade e as regras de trânsito. E há um bom motivo para isso: coisa errada é multa pesada e coisa muito errada é cadeia direto!
Estradas secundárias que me levaram de Dallas ao Lake Fork
Foi pego acima do limite de velocidade? 190 dólares de multa e pontuação na carteira de motorista. Reincidente? A multa dobra (380 dólares) e tem a carteira suspensa por uma semana! Novamente reincidente? Cadeia, multa de 1.500 dólares e suspensão por 3 anos!! A lei é pesada, mas é a certeza que você será punido que faz com que todos respeitem a Lei! Não tem "jeitinho", não tem "chororô"... E nunca passe em frente a uma escola a mais de 30 milhas por hora, mesmo que seja às 3 horas da madrugada!! É cana!! Matou alguém no trânsito? Parabéns, vai passar toda a vida (e pode atingir seus filhos também) pagando pensão para a família da vítima!!
Graças a isso, o trânsito flui e as pessoas não dirigem estressadas, mesmo Dallas possuindo mais de 4 milhões de habitantes na cidade e 13 milhões na região metropolitana! Dirigir 5 minutos em Ponta Grossa me estressa mais que meia hora lá.
Bom, voltando à viagem.. em duas horas e vinte eu estava fazendo o check-in no Lake Fork Marina and Hotel, cuja reserva eu havia feito dias antes pela internet.
Enquanto preenchia minha ficha, a senhora da recepção falou:
- Olhe naquele aquário! Aquele bass foi capturado há dois meses atrás!
No aquário estava um bass enorme. A foto colada nele indicava a captura no mês de julho. Havia pesado 14,44 lbs (6,55 kgs) e medido 26 3/4 inch (67,95 cm). Era um peixe saudável, forte e não tão gordo. Como quase todos os peixes acima de 7lbs, era uma fêmea, uma big mamma, como chamam por lá. A ansiedade piorou!
Largemouth capturado em julho de 2010 no Lake Fork
Fui para o quarto e olhei o relógio: 15:20. Ainda demoraria mais de uma hora para o Gene chegar. Comecei a desarrumar a mala, quando bateram na minha porta. Era o Gene! Ele havia ido antes para a marina me esperar, para que saíssemos o quanto antes para a água, para aproveitar ao máximo a pescaria. Troquei de roupa aos tropeços, peguei alguns refrigerantes e barras de chocolate na loja de conveniências da marina e entrei no carro.
Quarto no motel do Lake Fork Marina
PRIMEIRO DIA – PESCA NOTURNA
Embora a marina fique à beira do lago, Gene prefere pescar na outra margem. Por isso, nos deslocamos de carro por 10 minutos até a rampa pública do outro lado. Parou o carro, separou 3 conjuntos para ele e 3 para mim. Os combos eram da Bass Pro, da linha Extreme. Varas de 17 a 20lbs, com 7 pés de comprimento. Carretilhas médias municiadas com linha de fluorocarbon de 17 e 20lbs. Um crankbait gigante da Bill Normann que nada abaixo de 22 pés em um, um chatterbait de 1/2oz em outra e uma colher gigantesca, de 25 cms e 2 oz de peso, no terceiro conjunto.
Combos para a modalidade "Ogresse"
Para quem está acostumado ao uso de conjuntos de 8lbs para finesse e de 15lbs para "grossesse", aqueles conjuntos mereciam um novo nome. Em homenagem aos amigos JR e Tonho, tive que batizá-los de "ogresse" ("Shrekesse" seria muito ruim de falar).
Pediu que eu subisse no barco, manobrou e desceu o barco na água. Ligou o motor, encostou o barco, puxou o carro e a carreta, e saímos para pescar. Aqui a primeira surpresa: o cliente é a pessoa mais importante do barco! O cliente não molha os pés, o cliente não empurra barco, o cliente não joga âncora, o cliente não fica ajudando. O cliente é cliente. Ponto.
Bass Boat 21 pés com motor 225 HP
Elogiei o belo conjunto de barco e motor e Gene me contou que era um casco fabricado no Texas, por uma fábrica pequena.
- Gosta de velocidade? – diante da minha afirmativa, ele acelerou o barco... mostrou-me o painel e o hodômetro e o GPS (embutido com o fishfinder) marcavam o mesmo número: 80 mph! Sorri e minhas bochechas se inflaram de ar e começaram a tremer alucinadamente. Fechei a boca e comecei a gargalhar silenciosamente. O barco se aproximou de uma ponte e Gene começou a navegar lentamente ao longo dela, olho fixo no sonar...
Boca fechada para não sair voando
Abre parênteses!
Enquanto trocávamos mensagens, Gene me questionou qual era o meu objetivo, pegar muitos peixes pequenos ou tentar um big bass. Respondi de imediato que um único grande peixe valeria mais que pegar 50 peixinhos no dia.
Gene, então, me falou que são formas e locais de pesca totalmente distintos. A busca pelo big bass é mais complicada, demandaria mais esforço e técnica e certamente pegaríamos bem menos peixe, mas a chance do troféu aumentaria consideravelmente.
- É isso o que você procura?
- Com certeza!
- Temos mais um problema. Notou que a temperatura caiu de 30 para 15 graus? Foi um frente fria forte que entrou há dois dias. O peixe já costuma estar manhoso nessa época do ano (outono) e com a frente fria eles tendem a ficar ainda mais inativos. Está pronto para o desafio?
- Sim, sim, sim...
Fiquei animadíssimo!! Gene achou engraçado.
- É o primeiro cliente que fica contente quando dou más notícias...
- Gene, estou animado porque isso era o que eu queria! Ficaria frustrado se os peixes estivessem extremamente ativos, atacando qualquer isca em qualquer hora. Eu quero aprender o que faz um profissional quando tudo está contra ele. Eu vim aqui para aprender!
Ele abriu um grande sorriso, se empertigou no assento e disse:
- Você veio aprender, então vou ensinar tudo o que eu puder!
Fecha parênteses!
- Crankbait! Jogue naquela direção, o mais longe que puder!
Arremessei uns 35 metros e Gene acelerou:
- Solte linha... mais.. mais.. agora trave! Está sentindo a isca bater no fundo? Ótimo! – Gene pegou a outra vara com crankbait, arremessou e começamos a corricar.
Pesqueiro típico do Lake Fork.. será que tem tucunaré aí??
Passamos duas vezes pelo canal da ponte sem sucesso. Ligamos o motor e fomos para outro ponto.
- Chatterbait! – e apontou os pontos de pesca. Arremessei próximo ao barranco e a isca imediatamente enroscou. Puxei e soltou. Enroscou novamente.
- Hydrilla! Veja a linha d´água! – a até dois metros da margem a superfície da água era totalmente lisa e escura. A partir daí a água ficava marolada e clara. Era a vegetação aquática, que crescia próximo das margens e fazia a isca enroscar direto. Gene explicou que na base ela é aberta, mas quando cresce e chega na superfície, ela vai se espalhando.
- Imagine um guarda-chuva. É parecido. O bass fica embaixo, no abrigo. Precisamos chamar a atenção dele com a batida da isca na água, para que ele saia e venha abocanhar quando ela passar por cima da hydrilla.
Enquanto eu me batia com o equipamento pesado e tentando descobrir como fazer a isca passar pela vegetação sem enroscar, Gene tem o primeiro ataque. O peixe atacou enquanto a isca vinha correndo por cima da vegetação para sair na área limpa. Embora fosse um peixe de quilo, ele foi trazido rapidamente para o barco. Fui pegar a máquina fotográfica e vi, pelo canto do olho, que Gene já estava soltando o peixe:
- Gene, eu ia bater uma foto!
- Desse peixinho? – falou indignado Gene.
- Você veio do Brasil para bater foto desses peixinhos? Não, não.. vamos bater fotos de peixe que valha a pena!
- Que tamanho merece uma foto?
- Pelo menos 4lbs, mas se pegarmos vários, vamos bater foto só de alguns. Não podemos perder tempo. Mas eu quero que você pegue algo de 6lbs, no mínimo! Que tal um de 10lbs? Eles estão na água, é só pegarmos! – ele riu..
Mensagem recebida e entendida! Peixes de até 3 lbs (1,36 kg) são peixinhos, e devem ser devolvidos sem foto, pois não vale a pena... rs.. Sir, yes, Sir!! rs
Gene puxa mais um peixe para o barco.
- Ainda é pequeno, mas quer bater uma foto?
Foto batida, o "peixinho" estimado em 4 lbs (1,81 kg) é rapidamente devolvido à água.
Senti uma batida seca na isca, ferrei e perdi. Gene me chamou para ir na plataforma, do lado dele.
- Você está fazendo assim – mostrou o jeito que eu trabalhava a vara e recolhia a folga da linha
- Desse jeito você não tem alavanca para fisgar o peixe. Vai cansar o braço e a isca não vai trabalhar corretamente. Trabalhe como uma crankbait. Use a crank (manivela). Vara parada na posição de fisgar e trabalhe a isca com a carretilha!
Anos de condicionamento não são fáceis de tirar. Começava a trabalhar a isca como Gene havia ensinado, mas logo era advertido por estar trabalhando a isca com a vara. Após algumas horas havia pegado o jeito. Ao final da pescaria, entendi o que ele queria me dizer. E estou até agora repensando a forma como eu pesco... crankbait? Spinnerbait? Chatterbait? Rubber jig? Pindocada? Anos fazendo a coisa errada..
- O equipamento foi projetado para a forma correta de se pescar – dizia Gene
Ainda estou digerindo muitas das informações que recebi e pensando em como adaptá-las ao nosso sistema de pesca..
A noite foi caindo. Perguntei se iríamos pescar próximo de casas e píers com iluminação. Gene riu novamente:
- Vocês não pescam de noite?
- Não. Tentei algumas vezes e não consegui pescar direito
- É a melhor hora para pescar, principalmente no verão! O pico de atividade do peixe vai do crepúsculo a até umas 22 horas!
- E como vamos enxergar onde arremessar?
- Você vai ver!
Realmente, à medida que escurecia, a visão ia se adaptando. A noite havia caído totalmente e eu conseguia enxergar os contornos das margens, algumas estruturas, troncos... a visão não é perfeita, mas se consegue pescar tranqüilamente. E era uma noite quase sem Lua, apenas um fiapo brilhante em forma de cunha despontava no horizonte. Escuridão total, silêncio quase absoluto, quebrado apenas pelo som dos arremessos e da caída da isca na água. A baixa pressão atmosférica havia calado os sapos e aves no entorno do lago.
Painel do barco.. estão vendo alguma coisa??
Mudamos de ponto. Uma casa no alto da encosta. Três garagens de barco adentravam o lago.
- Arremesse próximo aos pilares – Gene avisou – Opa, tive de ação de peixe, arremesse naquele ponto, o peixe ainda está lá!
Arremesso certeiro, perto da pilastra de madeira, quase embaixo do poste do luz. Na 2a manivelada sinto um peso. Estreito os olhos e vejo a linha correndo lateralmente. Respiro fundo, recolho a folga da linha e dou uma fisgada lateral firme. A vara entorta totalmente, como se tivesse fisgada um tronco. Enrosco? Não. O "tronco" ganha vida e começa a cabecear no fundo. Graças à iluminação do local, consigo ver a linha subindo. O peixe pula inteiro fora d´água, lembrando as acrobacias do nosso peacock bass (ou "tucunaré", para os íntimos..rs). Depois disso resolve brigar no fundo.
Gene começa a gritar alguma coisa. Olho para ele e percebo que ele quer que eu puxe rapidamente o peixe para cima. Faço o que me foi dito e o peixe sobe ao lado do barco, ainda cheio de energia. Seguro o peixe pelo lábio inferior e o levanto. Grito, risadas, pesagem e foto.. tudo muito rápido.. e o peixe volta pra água.. 5 lbs (2,27 kg)! Um bom começo!
Seguro o peixe na água, esperando que ele se recupere, e Gene me avisa:
- Solte o peixe.. ele vai embora! Segurar ele desse jeito estressa ainda mais o peixe! – obedecendo o guia, soltei o peixe e ele foi embora, não sem antes ele molhar a minha cara com safanão de sua cauda na água.
Conversando depois, entendi a pressa do Gene. Eles se preocupam bastante em não estressar demais o peixe. Peixes predadores são preparados para batalhas curtas e intensas, pois é como eles obtém alimento. Uma investida rápida e param. Uma briga prolongada é como fazer um corredor de 100 metros enfrentar uma maratona sob a mira de um revólver (para o peixe, a luta contra o pescador é de vida ou morte, pelo menos na cabeça dele). Caso o equipamento seja leve e a luta se prolongue, o ideal é soltar o peixe o mais rápido possível e não ficar mantendo ele preso pelo lábio, dentro d´água. Ele irá procurar a zona de conforto mais adequada à recuperação dele, assim que se sentir livre. Apenas ajude o peixe se, ao soltá-lo, ele virar de barriga para cima. Nesse caso, a posição correta é segurar o peixe dentro da água, pela cauda, com a cabeça virada para o fundo. Dessa forma, com o menor movimento de cauda ele já começa a retornar para seu habitat mais confortável, para se recuperar.
Mais 3 arremessos e tenho uma nova pegada. Da mesma maneira, o peixe segurou a isca e saiu andando lateralmente. Tirei a folga, firmei e fisguei. Outro peixe de bom tamanho. Na balança, 4.5 lbs!
Gene ainda pegou mais 2 "peixinhos" em torno de 1 quilo cada um. Quando dei por mim, já era meia-noite.
- Gene, a pescaria não ia até às 22 horas?
- Luís (ele não conseguia pronunciar "Beto".. rs), você veio do Brasil especialmente para pescar comigo.. quero que você pesque o máximo de tempo possível!!
- E amanhã?
- Amanhã te pego no hotel às 6 e meia... mas por enquanto, vamos pescar!
Pescamos mais um pouco e, a meu pedido, retornamos. Ele me deixou no hotel quase às 3 da manhã, com a promessa que estaria lá novamente às 6 e meia!
SEGUNDO DIA – PESCA INTENSA
Banho, duas horas de sono, acordo grogue e vou tomar um café da manhã reforçado. Deve ser por isso que eles comem tanto de manhã. Pedi o especial do dia e veio um prato grande com 4 torradas, 3 ovos mexidos, bacon, purê de batatas e uma caneca gigante de café. Pontualmente às 6 e meia gene encostava a caminhonete em frente ao meu quarto. Animado e com copo de café na mão, já foi falando: - Vamos, vamos..
Como o previsto, em razão da época e da frente fria, os peixes estavam suspensos e inativos, migrando em alguns momentos para as zonas de alimentação. Era a nossa "janela" para capturar alguns exemplares. Corricamos, arremessamos nas margens, nas estruturas e fomos pegando mais "filhotinhos".
Chatterbait de 1/2oz com saia green pumpkin e trailer c-tail magnum cor sweet potato pie.. como fui me lembrar disso?? rs
Em uma margem cheia de vegetação, arremesso o rubber jig e venho trabalhando rápido, por cima da vegetação. O peixe estoura na isca e carrega para o fundo. Briga contra o peixe e as algas. O equipamento reforçado verga até o cabo. Quando consigo tirar o peixe da sujeira, ele é trazido rapidamente à bordo. Outro peixe "médio". Mas mereceu uma foto!!
Continuamos navegando até que o Gene diminui a velocidade no meio da represa e fixa o olhar no sonar. Ele me chama para olhar. Era uma ilha submersa por onde já havíamos passado e não havíamos conseguido peixes, pois estavam suspensos e inativos. Dessa vez ele me mostra uma grande mancha no sonar e explica que são "shads" (peixes forrageiros, parecidos com lambaris). Em volta, alguns arcos grandes, que indicam a presença de peixes maiores em torno do cardume. Arremesso a crankbait e na primeira passagem pela "mancha", tenho uma pegada. O peixe enverga a vara, mas se solta em seguida. Ele desliga o motor e joga as bóias de marcação.
- Spoon (colher)! Arremesse, deixe chegar no fundo e trabalhe em toques!
Começamos a pescar e os ataques eram constantes. O problema é que os peixes estavam todos misturados lá embaixo. Pegamos muitos white bass e yellow bass, todos em torno de meio a um quilo. Eventualmente tínhamos uma pegada mais firme e aí vinha o largemouth, vários na faixa de 3 a 4 libras. Quando as ações diminuíam, rodávamos com o elétrico até achar os peixes no sonar e recomeçávamos o "trabalho duro".
Nessa hora, alguns barcos começaram a passar perto, olhando e fingindo pescar próximos. Gene olhou e pediu que eu procurasse disfarçar se pegasse um bom peixe. Ele chegou a tirar um bocudo em torno de 6lbs que devolveu sem fotos para a água.
- Esses aí.. moleques que não conhecem o lago e passam o dia seguindo os guias experientes. Se dizem "guias de pesca", cobram a metade do preço dos bons guias, mas só sabem ficar seguindo a gente
- No Brasil temos muita gente assim também, Gene. Pode deixar. Vou dar uma disfarçada se pegar algo grande.
Spoon de 2 oz e 25 cmts.. linha torcida, muito peso, mas efetiva
Apesar disso, eles foram educados o suficiente para não entrar na nossa "área demarcada", permanecendo uns 500 metros distante, tentando pescar, mas sem pegar nada. Tão logo abandonamos o pesqueiro, vimos 3 barcos avançarem para cima de onde estávamos pescando.
"Escondendo o peixe".. bate logo essa foto!!
A certa altura, perguntei ao Gene se poderia voltar ao chatterbait.
- Pode, mas eu prefiro a colher gigante, porque ela seleciona mais o tamanho do peixe. Se tiver black bass pequeno no meio, eles vão atacar a chatter.
Linha que define as margens cheias de hydrilla e a parte funda e limpa
Era verdade, peguei alguns pequenos de quilo, mas, pelo menos, os white e yellow haviam parado de morder. De repente, uma pegada firme, a vara envergada até o cabo. Peixe a 6 metros de profundidade, cabeceando forte. Puxo o mais rápido que posso e, quando ele sobe ao lado do barco, Gene passa o passaguá e retira o peixe. 6 lbs (2.72 kg)! Havia conseguido bater meu recorde pessoal, uma de minhas metas quando fui pescar nos EUA! Meu maior peixe até então era uma fêmea de 2 quilos e meio, capturada em Atibainha, na década de 90. Soltei um "uhu" bem alto e Gene gargalhava! Encerrado o dia com "chave de ouro"!
Yellow bass
White bass
Nesse dia combinamos de pescar até mais tarde e encurtar a pescaria do dia seguinte, para que eu pudesse retornar para Dallas com calma. No dia seguinte teríamos apenas até às 13 horas para tentar pegar um maior. Gene estava animado e repetiu que me achava um excelente pescador e eu merecia um peixe maior. Ele me disse que eu pegaria esse peixe no dia seguinte. Será que ele tinha uma bola de cristal??
TERCEIRO DIA – MOMENTOS FINAIS
Último dia de pescaria, às 6 e meia já estávamos navegando. Passamos em alguns pontos profundos e os cardumes suspensos, sem se movimentar, deixaram Gene preocupado.
Situação do dedo no 2º dia
Ele queria o peixe grande! Batemos em vários pontos, tirando peixes de um quilo. Mesmo tendo ação, saíamos do local em busca dos grandes.
Começamos a bater em torno de uma ilha, confiando no cardume de forrageiros que o sonar indicava migrando para as partes rasas. Gene arremessa e na primeira trabalhada ele tem uma pegada violenta, a vara enverga, a linha estica e... POW!! Gene recolhe e constata que o peixe havia estourado a linha de fluorocarbon de 17lbs!
- Foi quando ela cabeceou! Pegou a isca, sentiu que estava presa, pesou e cabeceou forte. É como elas fazem para estourar a linha.
Logo atrás de nós um peixe grande pula.
- É o meu peixe, está se livrando da isca. Essa é a puxada de um bass de 10 lbs! Fique preparado!
Com a adrenalina a mil, continuamos trabalhando nossas chatterbaits. Nova pegada na isca do Gene, parecia um replay do peixe perdido anterior. Vejo a ponta da vara envergar e depois sacudir com as cabeceadas. Mas a linha aguenta. Gene trabalha o peixe e pede o passaguá. Meus reflexos ajudam e consigo pegar o peixe quando ele subia ao lado do barco para pular. Gene sorri e posa para a foto. 7 lbs (3.18 kg) cravado, o maior peixe da pescaria!
Gene e sua Big Mamma
- Arremessa, tem mais peixe aí!
Como que um "gol cantado pelo narrador", faço meu arremesso e quando a isca cai depois das hydrillas, sinto uma batidinha, que me lembrou a pegada do nosso bass tupiniquim nas minhocas plásticas.
- Peixe, Gene, mas é pequeno!
Fisgo firme e a vara entorta toda! Tronco? Nãããão! Pesado e cabeceando! Correu para o fundo e Gene pegou o passaguá ao seu lado e correu para a popa. O peixe não subia e Gene insistia para trazer o peixe para cima! Era um cabo-de-guerra de ogro! Nessa hora entendi por que seu usam linhas de fluorocarbon de 20lbs!
O peixe insistia em ficar no fundo, mas o equipamento pesado aos poucos o ia trazendo. Chegou ao lado do barco jogando água, mas Gene foi rápido no passaguá! 7.25lbs (3.29 kg)! Gene pede para eu esticar um pouco o braço na hora de bater a foto, mas o dedão todo machucado e o braço cansado já não davam mais conta.
Chegava a hora de ir embora. Os peixes havia parado de se alimentar naquele ponto. Gene apontou uma entrada rasa, cheia de vegetação e mandou arremessar a chatterbait por cima das algas e trazer rápido e deixar afundar quando caísse na área limpa. Fiz o que ele mandou e novamente senti o familiar e leve "tuc tuc" na linha. Dessa vez não disse que se tratava de peixe pequeno. Firmei e fisguei. A vara embodocou inteira novamente e o peixe saltou inteiro para fora d´água. Se as cores fossem diferentes, podia jurar que se tratava de um tucunaré-paca bem gordo!
Esse queria brigar em cima, saltou mais uma, mais duas, mais três vezes... a cada salto meu coração quase saía da boca! O peixe era grande, do mesmo tamanho que os anteriores, talvez maior...
O peixe chegou mais cansado ao lado do barco e Gene, sorridente, gritou:
- Pega, ele é teu!!
Passei o dedo machucado na boca dele e ergui. Pesado, gordo! Era um recado do Lake Fork, dizendo que eu havia tomado a decisão correta de ir conhecer os seus peixes. Na balança... 7.5 lbs (3.4 kg). O último peixe do dia, o maior peixe da pescaria!
Peixe liberado, ele sumiu lentamente em direção ao fundo escuro.
- Vamos comemorar – gritou Gene, me oferecendo uma garrafa de achocolatado e bolinhos açucarados!
Ficamos comendo os bolinhos e conversando. Não havia mais a necessidade de dar mais nenhum arremesso. Eu "estava pescado", como diz meu parceiro Attilio Motti. Qualquer peixe pego depois desse seria um anticlímax desnecessário.
Nessa hora ele me contou que há 5 bons guias de pesca no Lake Fork, que possuem agenda quase sempre lotada, mas há mais de 50 que se dizem "guias de pesca", que só conseguem capturar peixes na primavera e deixam os clientes doidos pela falta de peixe no resto do ano. Cobram a metade do preço dos guias mais famosos, mas é um "barato que sai caro". De fato, na recepção do hotel havia um display com dezenas de cartões de guias de pesca. O do Gene não estava entre eles. Gene me falou que ele já possui uma clientela formada e que a propaganda dele é feita pelos clientes satisfeitos, que são muitos. Concordo integralmente com o que ele falou. Ele havia pescado nos dias anteriores a minha chegada e vi ele atendendo ligações de outros clientes que foram agendados para dali a duas semanas, pois não havia mais dias disponíveis. Na primavera/verão ele chega a pescar 60 dias seguidos, de dia e de noite. Por isso, se for marcar uma pescaria com ele, não deixe para agendar na última hora.
Gene me deixou no hotel, eu lhe dei com prazer o "tip" (gorjeta) de 10% e agradeci pela pescaria. Prometi que retornaria assim que possível, quem sabe no ano que vem, para tentar capturar alguns stripped bass de 20lbs na isca de superfície, no Lake Tawakoni.
Na volta, passamos em um posto de gasolina. Gene me convidou a entrar na lojinha de conveniências e descobri que havia uma loja de pesca toda equipada lá dentro. Ele me mostrou as iscas que ele usa, os trailers e outros equipamentos. Comprei alguns e ele me disse:
- Me escreva para contar se você pegar um bass gigante com essas iscas no Brasil!
Ele me deixou no hotel, me presenteou com uma garrafa de preparado para fazer achocolatado (eu havia dito que não conhecia...), tomei um banho, fiz o check-out e peguei o caminho de volta, sonhando de olhos abertos com o salto do grande largemouth. Sonhando com a próxima vez que iremos nos encontrar.
** os melhores meses são abril e maio (primavera), quando a chance de pegar uma big mamma ovada aumenta bastante. Peixes de 6 libras em outras épocas chegam a mais de 10 libras na primavera. O verão é ótimo para pescas noturnas. O outono e inverno são os meses mais críticos, mas é quando se pode ver um guia profissional realmente em ação.
** os custos são: 375 dólares para um dia ou uma noite completa de pescaria (8 a 9 horas), 275 dólares para meio dia ou meia noite de pescaria (5 a 6 horas), 75 dólares o quarto no motel do Lake Fork Marina. Os preços são para duas pessoas, tanto a pescaria quanto o hotel.
** a licença de pesca para os 3 dias custou 49 dólares e pode ser emitido na própria marina. Os guias não levam clientes sem a licença de pesca.
Bass Thum - dedão de pescador de bass
Abraços
Beto Akamine
