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SISTEMAS DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES - III FINAL

Enviado: Sáb Jun 28, 2008 11:39 am
por jckruel
Caros companheiros,

Para possamos compreender a magnitude do tema Mecanismos de Transposição, objeto desse resumo, é necessário atingir uma visão consciente e comprometida com o assunto, mediante a interação com as ciências da engenharia hidráulica, biológica e ambiental.

É preciso atender “às vontades” dos peixes, criando-se condições favoráveis de migração, procriação e desenvolvimento e, consequentemente, estudar mais os Sistemas para a Transposição de Peixes visando sua ampla disseminação, objetivando suprir as necessidades humanas e ambientais em todos os seus aspectos possíveis, preservando-se a integridade do ecossistema aquático.

Cientistas e estudiosos brasileiros assumem performances contrárias ou favoráveis aos STP´s, função da evolução de seus conhecimentos e/ou das condições de contorno político-sociais envolvidas, com impressões emotivas, pessoais ou técnicas, evidenciando o caráter polêmico do tema, no cenário econômico/ambiental nacional.

Continuação do trabalho do Dr. Sidney Martins

2. Estudo Experimental

2.1 Introdução

Os estudos dos STP’s, no exterior, estão consolidados há décadas, favorecidos, entre outros fatores, pelo interesse comercial, industrial e político, e facilitados, principalmente no hemisfério norte e Japão, pela baixa diversidade dos peixes a ser contemplada e uma sociedade esclarecida, que privilegia o meio ambiente.

Os primeiros estudos experimentais significativos com STP’s datam de 1950 no Laboratório da Barragem de Bonneville (Collins, 1960, Ref. [8]).

Visavam otimizar estruturas de passagem para os peixes diádromos, cujas características eram e são amplamente conhecidas (velocidades atrativas, máximas do fluxo e dos peixes, resistência, indução artificial, dimensões das espécies, volume dos cardumes, épocas de reprodução, etc.).

Estudos importantes foram realizados em todas as partes do mundo, pode-se citar os de Nakamura, 1995, Katopodis, 1999, Ref. e outros apresentados nos Simpósios de Gifu.

No Brasil, como em quase todo o hemisfério sul, impera a diversidade dos peixes e a fase embrionária do conhecimento correlacionado, tornando a etapa investigativa experimental árdua e fundamental às questões empíricas e básicas.

As soluções analíticas de problemas de escoamentos em condutos livres ou forçados que envolvam determinações de distribuições de velocidades, linhas de fluxo e pressões são difíceis de serem obtidas por envolverem equações diferenciais parciais.

No escoamento livre, objeto deste estudo, a solução analítica adequada é complexa, devido à variedade geométrica dos contornos e à presença da superfície livre como fronteira do escoamento.

Neste caso é recomendado o estudo experimental em modelo geometricamente semelhante, sem distorção e com dimensões reduzidas. A semelhança geométrica dos contornos sólidos e livres é uma condição necessária bem como a semelhança dinâmica.

A modelagem física tridimensional de STP’s estuda as variações de condições do escoamento para diferentes estruturas e operações hidráulicas, fornecendo os parâmetros de aferição para os modelos computacionais.

Os métodos computacionais, principalmente no exterior, com princípios avançados de mecânica dos fluidos, são aplicados para fornecerem detalhes das características do escoamento como: velocidades e pressões a partir dos estudos de modelagem.

O cientista experimental cuja formação, via de regra, é a ciência exata, depara-se, neste caso, com incógnitas seletivas, físico-biológicas e sensoriais, sujeitas à resposta dos peixes, envolvendo variáveis biológicas nacionais não disponíveis, que fogem do equacionamento matemático e dificultam a garantia da eficácia dos resultados experimentais.


Devido às particularidades específicas desse assunto, o estudo dividiu-se em duas etapas experimentais: otimização das características hidráulicas, segundo as prováveis necessidades dos peixes, e verificação da resposta dos peixes.

A verificação da resposta dos peixes só é possível em verdadeira escala e será, portanto, objeto de estudo futuro, com base na otimização hidráulica desenvolvida.

A otimização hidráulica das velocidades, linhas de fluxo, vazões, disposição geométrica, foi obtida através de um estudo experimental em modelo reduzido parcial sem distorção, geometricamente semelhante.

Assim, elaborou-se o projeto de um modelo reduzido tridimensional experimental, segundo a semelhança de Froude, de um sistema parcial para transporte dos peixes, implantado nas dependências do Centro Tecnológico de Hidráulica: CTH, financiado pelo Convênio entre o Departamento de Águas e Energia Elétrica: DAEE e a Universidade de São Paulo: USP.


2.2 Variáveis Envolvidas e Condicionantes.

As variáveis envolvidas referem-se à otimização do conjunto das dimensões, com as resultantes: vazão, velocidade e linhas de fluxo favoráveis ao movimento dos peixes.

2.2.1 Condicionantes dos Peixes.

Devido a impossibilidade de introduzirmos elementos vivos no modelo, pois não podemos reduzi-los à escala de estudo, foram admitidas algumas hipóteses dimensionais simplificadoras, em valores de protótipo:

• velocidade máxima do fluxo = 2,5 a 3,0m/s;
• dimensões mínimas do orifício = 0,80 x 0,60m, respectivamente base e altura, para a passagem de peixes de couro com locomoção preferencial pelo fundo, considerando os barbilhões e altura com as barbatanas, cauda e nadadeiras;
• lâmina d’água mínima sobre a soleira = 0,30m para permitir a passagem dos peixes com escamas com locomoção preferencial junto à superfície;
• profundidade mínima da lâmina d’água no interior do canal = 1,00m que representa a passagem simultânea de peixes de escama e couro;
• declividade longitudinal do canal = 10%, o que, segundo a pesquisa de Collins, 1960, Ref. [8], não deve produzir cansaço excessivo nos peixes;


2.3 Alternativas Estudadas

Entre as opções de STP’s disponíveis, escolheu-se o tipo escada para os estudos experimentais devido, entre outros motivos, aos custos totais menores, quando comparados com outras alternativas; maior quantidade de estudos internacionais comparativos e paramétricos disponíveis; grande quantidade de estruturas implantadas com sucesso no exterior; possibilidade de manipulação das características geométrico-estruturais para adaptá-las às necessidades dos peixes nacionais e a flexibilidade de implantação, quando necessário, nos barramentos existentes sem STP’s.

Foram estudadas 5 alternativas de soleiras. A Alternativa 1 é composta por paredes com soleira livre parcial e orifícios dispostos em forma de labirinto, conforme Figura 2-2; a Alternativa 2 é composta por uma soleira contínua e orifícios dispostos alternadamente, 1 ou 2 orifícios, segundo a sugestão das biólogas envolvidas no estudo, conforme Figura 2-3; a Alternativa 3 é do tipo vertical slot com um jato, implantada geometricamente segundo Katopodis, 1999, Ref. [25], a Alternativa 4 é do tipo vertical slot com 2 jatos modificada, e a Alternativa 5 é do tipo vertical slot com um jato disposto em forma de labirinto.


2.6 Conclusões

A simples adoção de uma alternativa promissora, não é garantia de sucesso na transposição de peixes, faltando, ainda, confirmações de âmbito não experimentais, tais como as ambientais e biológicas ou, ainda, hidráulicas complementares.

A eficiência e a eficácia dos STP’s dependem do conhecimento das características hidráulicas e, principalmente, biológicas das espécies de peixes que farão a transposição, tais como: habilidades natatórias dos peixes (velocidades de explosão, manutenção, navegação, atrativas e salto), padrão migratório (trófico e reprodutivo, volume e dimensões das espécies), padrão limnológico-ambiental, preservação e existência dos ambientes reprodutivos naturais ou artificiais, entre outros fatores.

A real eficiência só pode ser verificada em protótipo ou, caso seja possível, em modelo em verdadeira grandeza, com a introdução de elementos vivos e similaridade dos estímulos ambientais.

As premissas biológicas adotadas neste estudo: velocidades do fluxo, dimensão dos orifícios, lâmina d’água mínima e declividade longitudinal do canal, devem ser compatibilizadas com o universo dos peixes locais habilitados a usarem o STP, podendo, inclusive, serem seletivas, como é inevitável devido à diversidade, visando minimizar o volume de peixe, porte, hábitos, privilegiar ou desprestigiar espécies segundo um conjunto de conveniências biológicas e ambientais, comerciais e locais.

A complexidade e o desconhecimento biológico e hidráulico no que se refere aos STP’s, evidencia os riscos de ineficiência e a necessidade estudos para o desenvolvimento de tecnologia nacional e profissionais específicos habilitados.[/b]

Estamos recriando o “estado da arte” nacional com um atraso pelo menos secular em relação ao conhecimento internacional, ou seja, pesquisas, como os aqui realizados pela Universidade de São Paulo e outras pela Universidade Federal de Minas Gerais, devem incentivadas e divulgadas antes que seja tarde para o ambiente.


3 Estudos Futuros

Em razão das futuras estruturas geradoras de energia possuírem quedas menores em função do potencial hídrico remanescente, dos impactos ambientais e a própria privatização do sistema energético, acredita-se que os estudos e implantações de STP’s serão mais freqüentes, assim é preciso o desenvolvimento compactuado entre as ciências biológicas, hidráulico-estrutural e ecológica, em tempo hábil, para consolidar às ações relacionadas ao futuro ambiental.

Pretende-se prosseguir com o estudo de STP’s para o doutoramento onde, se for possível, pois depende de variáveis biológicas e ambientais não disponíveis e esclarecidas, construir um modelo em verdadeira grandeza para a introdução de elementos vivos (peixes migradores maduros), similar aos estudos desenvolvidos na UHE Bonneville, EUA (Collins, 1960, Ref. [8]) e Nakamura no Japão (1995, Ref. [36]), estudo de STP’s tipo serpentina, estruturas de entrada, controle de níveis de saída, verificação de declividades longitudinais mais íngremes (Clay, 1995, Ref. [7]).

Há um campo técnico e acadêmico inexplorado que envolve a multidisciplinariedade em questões relacionadas com a hidráulica, biologia, ambiente e ecologia e socioeconomia, podendo-se citar:

• estudos experimentais em modelos reduzidos e matemáticos de STP’s para a transposição de peixes durante a migração trófica e reprodutiva;

• estudos de eficiência dos tipos de STP’s em modelos reduzidos em verdadeira grandeza com elementos vivos, peixes migradores;

• sistemas de instrumentação e monitoramento para contagem e identificação de espécies;

• critérios para projetos de STP’s que contemplem a diversidade ictia nacional;

• inventário com o comportamento e caracterização dos peixes migradores em ambientes natural e artificiais como nos STP’s, barragens e hidroelétricas (Tomadas d’água, Vertedores, Turbinas);

• técnicas de repulsão e indução de peixes com acústica, elétrica e elementos físicos;

• transposição de peixes pelas turbinas, vertedores e eclusas de navegação;

• impactos no sistema de geração energética hidráulica;

• estudos sobre a implantação de STP’s nos barramentos existentes;

• análise de benefícios e impactos advindos da implantação de STP’s.


Considerações finais: (as minhas)

Tenho realizado viagens visitando várias UHEs por este Brasil afora, entrevistando, fotografando e formando minhas convicções sobre os mecanismos de trasposição.

Na visita que fiz recentemente, junto com o Lester, na UHE Igarapava no Rio Grande, pude comprovar (para minha surpresa) que os peixes não só sobem como também descem as escadas alí existentes! Pedi aos responsáveis que me fosse enviado os trabalhos de monitoramento (eles monitoram 24 hs por dia) para que possa passar à vocês tais informações.

O importante é que todos nós tenhamos a clareza de entender o conceito de dano ambiental (não se trata de impacto). Ora, se eventualmente os estudos mostrarem que os mecanismos existentes não são adequados a determinado empreendimento é o caso comprovado de um dano irreversível à ictiofauna de forma que o ente licenciador é obrigado a exigir a mitigação/compensação ambiental a fim de garantir os estoques pesqueiros e a biodiversidade!

POR QUE OS ÓRGÃOS LICENCIADORES (Ibama e os entes estaduais) NÃO EXIGEM SEQUER OS ESTUDOS SOBRE OS STPs E PORQUE NÃO É EXIGIDA A COMPENSAÇÃO/MITIGAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS?

Isso já é assunto para outro tópico...

Perdoem a aridez, mas como a evolução da discussão estava a exigir comprovações científicas, o único caminho que encontrei foi pesquisar e colocar desta forma.

abs

Kruel

Enviado: Sex Jul 04, 2008 9:03 pm
por Eric Carreras
Ôpa, obg pela contribuição... já tinha lido um artigo menor que esse sobre transposição de especimes de peixes.. é um estudo mto minucioso e cauteloso... mas admiro quem o faz... abração!

Enviado: Ter Jun 23, 2009 8:56 am
por Carlos Salatti
Excelente Kruel, não tinha visto esses topicos e me passou batido.

Acho impressionante como ainda hoje existem questionamentos (sem embasamento algum) sobre a funcionalidade e eficacia dos STPs.

Na Universidade discutimos bastante sobre isso e inclusive temos o Prof. Arnaldo Muller que trabalhou na Itaipu Binacional por mais de 20 anos e, com ele, podemos decorrer bastante sobre o assunto.

Acho que esse topico é esclarecedor e coerente para quem ainda tem duvidas (ou é cético) em relação a esse assunto. Acho que so com estudos localizados (direcionados a nossa realidade) podemos nos desenvolver e criar soluções realmente eficazes para assuntos Ambientais.

Grande Abraço.

Enviado: Dom Set 13, 2009 10:21 am
por Silvio Araujo Neto
Por favor.... ......quem tiver a legislação pertinente ao assunto agradeceria imensamente, estamos tendo mais um problema aqui na nossa região, relativo ao Rio Pomba, onde já construiram a barragem e não construiram o STP, como fui incumbido de achar a legislação peço aos amigos que tiverem que por favor postem aqui ao por PM, ok??

Grato a todos