UM RELATO DE QUASE MEIO SÉCULO!
Lá se vão quarenta e cinco anos!
Esse é o tempo que me separa da pescaria que foi motivo de meu primeiro relato, escrito três anos após a mesma. Não foi minha primeira pescaria, pois esta não tenho a mínima ideia de quando tenha ocorrido. Era ainda muito pequeno para lembrar-me, mas com certeza foi uma pescaria de lambaris, ou bagrinhos, com meu pai, no ribeirão que corria nos fundos das terras de meus avós maternos.
A pescaria do relato foi aquela considerada (por mim) meu ingresso oficial no mundo da pesca “de gente grande”. Pescaria embarcada e logo em um rio do porte e importância do Tietê.
Foi escrita com caneta tinteiro, como era costume na época, em folha sem pautas, dobrada e guardada por esses anos todos.
![Imagem](http://i751.photobucket.com/albums/xx155/cavettor/agua/MANUSCRITO%20DE%20MEU%20PRIMEIRO%20RELATO%203a_zpsg3iqvpgg.jpg)
Na digitação, procurei manter ao máximo o texto original, mudando uma coisinha aqui, outra ali, apenas para melhorar a leitura e corrigir alguns erros, afinal eu ainda era uma criança quando o escrevi, mas a estrutura e a forma foram totalmente respeitadas.
Vamos a ele.
PIRANHAS NO TIETÊ
(VERÃO DE 1970)
Carlos A. Vettorazzi
Certa vez, quando passava as férias no sítio de meus avós, entre as cidades de Tietê e Piracicaba, meu pai me chamou e disse que íamos pescar no rio Tietê.
Para mim, aquilo foi como se ele tivesse dito:
- A partir de hoje você não é mais uma criança!
Isso porque meu pai, mesmo sabendo de minha paixão pela pesca, ainda não me havia levado junto com ele em suas pescarias no Tietê, dizendo que só quando eu já fosse grande, pois era muito perigoso para uma criança.
- Qualquer dia vamos só nós. Sabe como é, os adultos geralmente não gostam de crianças em pescaria.
Era sempre assim. Eu chorava muito toda vez que meu pai ia pescar e eu ficava. Mas naquele dia foi diferente!
- Vamos você, o tio Toninho e eu.
Não conseguia controlar meu contentamento.
Sentaram no terraço em frente à cozinha e começaram a colocar pedaços de arame nos anzóis. Soube depois que eram encastoamentos, para evitar que o peixe cortasse a linha logo acima do anzol.
Com a tralha pronta, partimos. Era grande minha ansiedade que, para minha felicidade, não durou muito, pois após percorrermos alguns quilômetros em estradas de terra, chegamos a uma propriedade onde deixamos o carro.
Pegamos nosso material, passamos por uma porteira e seguimos por um carreador em meio a um canavial.
Não demorou muito e chegamos à barranca do rio, que corria calmamente, causando uma sensação estranha em mim. Acho que era a ansiedade diante da novidade.
Subimos em um bote de madeira e, ali mesmo no “porto”, pescamos alguns lambaris, que iriam servir de isca. Compreendi então porque os anzóis tiveram de ser encastoados: íamos pescar piranhas.
Com meu tio pilotando, eu no meio e meu pai no bico do bote, começamos a descer o rio e, para aproveitar melhor a correnteza, seguíamos pelo meio do leito.
Como eu não remava, aproveitei para ficar jogando e tirando o anzol da água, pois o bote movia-se rapidamente.
Em um certo ponto passamos por uma pequena ilha e, logo depois dela, o rio era raso e com muitas pedras. Distraído, continuei com o anzol na água, que logo acabou enroscando e, logicamente, partindo a linha.
- Esse era grande! Disse-me, rindo, o meu tio.
- Era mesmo, puxa vida! Respondi com a maior ingenuidade do mundo, acreditando mesmo ter sido um peixe que me arrebentara a linha.
Agora era serviço do meu pai arrumar a vara...
Descemos um pouco mais o rio e logo apoitamos em um poço sombreado pela mata, quase encostados no barranco, onde havia um trilho, provavelmente feito por capivaras.
Ao nosso lado havia a galhada seca de uma grande árvore que tombara sobre o rio.
Anzol iscado e dentro d’água, não demora muito e a ponta da vara de bambu verga num sopetão só. Era o momento de se fisgar com força, não deixando a linha bambear e trazer de uma vez o peixe para dentro do bote.
No começo perdi várias fisgadas, pois era a primeira vez que pescava piranhas.
Como isca usávamos, além de lambaris, pedaços de carne de boi.
O dia estava bom para pesca. Era só jogar a linha e não demorava muito para a piranha puxar e, quando se pegava uma, devia-se apertá-la firmemente contra o fundo do bote e tirar-lhe o anzol da boca com todo cuidado. Ela se debatia ainda por um tempo, mas logo sossegava.
O lugar onde estávamos era muito bonito. Mata espessa nas duas margens, poço profundo e de águas limpas. Para completar, a tarde estava excelente, com um céu azul e sem nuvens nem vento.
Mas, quando se pesca, as horas passam rapidamente e aquela tarde estava passando como um jato. O sol já começava a descambar por trás das árvores quando começamos a subir o rio, seguindo pela margem para evitar a correnteza mais forte.
Dessa vez também tive de ajudar no remo, pois a subida não era fácil naquele bote pesado de madeira.
Era praticamente noite quando chegamos e, com o bote devidamente amarrado, arrumamos nossas coisas e retornamos para casa.
Dentro de uma cesta de taquara havia muitas piranhas, dentre as quais várias fisgadas por mim, inclusive a maior delas, uma “amarelona” que parecia um prato de tão grande.
E assim a noite chegou, findando um dos melhores dias de minha vida.
Fiz muitas pescarias de piranha depois dessa, mas, com certeza, nenhuma tão boa!
(Escrito em 1973)